COMPROMETIMENTO DOS PODERES

As políticas de combate às drogas devem ser focadas em três objetivos específicos: preventivo (educação e comportamento); de tratamento e assistência das dependências (saúde pública) e de contenção (policial e judicial). Para aplicar estas políticas, defendemos campanhas educativas, políticas de prevenção, criação de Centros de Tratamento e Assistência da Dependência Química, e a integração dos aparatos de contenção e judiciais. A instalação de Conselhos Municipais de Entorpecentes estruturados em três comissões independentes (prevenção, tratamento e contenção) pode facilitar as unidades federativas na aplicação de políticas defensivas e de contenção ao consumo de tráfico de drogas.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

AÇÃO SOCIAL AFASTA JOVENS DAS DROGAS



ZERO HORA 28 de novembro de 2012 | N° 17267

NÃO À VIOLÊNCIA

Projeto na Capital é exemplo contra um dos principais fatores de criminalidade


CAROLINA ROCHA E EDUARDO TORRES


A Região Metropolitana de Porto Alegre e o Vale do Sinos, com 1.024 homicídios em 2012, tem índice de violência três vezes maior do que o tolerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo levantamento do jornal Diário Gaúcho em 19 cidades, o número de mortes já é 12% superior ao registrado no ano passado. Mas o que pode ser feito para combater a criminalidade? Uma iniciativa na zona sul de Porto Alegre é um bom exemplo de como afastar crianças e jovens das drogas – presente em cerca de 70% das mortes, conforme a polícia.

Num triângulo formado por ruas dominadas por três gangues – os Madeireiras, os Miltons e os Evangelistas – está um prédio grafitado onde nasceu um fio de esperança para os jovens que moram no bairro Restinga.

– Há seis meses, os tiroteios eram diários. Agora cessaram. O ponto de tráfico que ficava na esquina se mudou para mais longe. Acho que ficaram intimidados com as crianças e com pais vindo participar das atividades – diz o pastor Felix Buava Kila, 42 anos, com um largo sorriso no rosto.

Kila coordena o Projeto Social Geração de Samuel, que funciona na Missão Batista Shekinah, na Avenida Meridional.

Até traficantes procuram vagas para filhos na ONG

Dentro do prédio, cartazes das crianças, frases que ensinam valores e lições de educação e cidadania tomam conta das paredes. No chão, um grupo de 30 crianças de sete a 13 anos tem aulas com uma professora voluntária e com uma oficineira. Nas segundas, quartas e sextas-feiras, o espaço é ocupado por adolescentes, que aprendem noções de cidadania e de informática.

– Um dos meninos trabalhava para o tráfico como aviãozinho (quem leva droga do vendedor ao usuário) para manter o vício em maconha e cigarro. Agora, largou esse trabalho e procura um estágio – relata Kila.

Histórias como essas são frequentes no projeto. Os próprios traficantes, segundo o pastor, batem à porta da ONG pedindo vagas para os filhos – não querem para eles o mesmo destino.


Tribunal do tráfico


– A droga vence quando não há adversário.

A frase repetida pelo psicólogo Leandro Lopez da Silva é como um lema aos especialistas em prevenção à dependência química. E abre o leque de explicações para que a distância entre o uso do primeiro “baseado” e da primeira pedra para a morte esteja cada vez mais curta. Conforme a polícia, pelo menos 70% dos homicídios na Região Metropolitana este ano têm algum tipo de relação com as drogas. A maior parte, de acordo com o delegado Luciano Peringer, vitimados por conflitos entre grupos rivais no tráfico. Invariavelmente, jovens que, atraídos pelo uso do crack, entraram para a quadrilha e não tiveram volta.

– A dívida do tráfico é uma constante nesses homicídios. Um usuário endividado pode se submeter às regras da quadrilha e atuar para ela. Ou vira o alvo dos criminosos – explica.

É que o tráfico se vale da ausência do Estado em uma comunidade para se estabelecer. Um viciado com dívidas facilmente envereda para outros crimes como furtos.

– Matar o usuário é uma forma de manutenção do controle por parte do traficante. O homicídio, para eles, é uma forma de impor respeito – afirma o delegado.

domingo, 18 de novembro de 2012

AJUDA PARA QUEM TRATA DEPENDENTES

18 de novembro de 2012 | N° 17257

CONTRA AS DROGAS



As comunidades terapêuticas interessadas em receber apoio do governo para atender usuários e dependentes de drogas têm até o dia 7 de janeiro para se inscrever no Ministério da Justiça. 


Edital da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas) informa que as instituições responsáveis pelo acolhimento receberão R$ 1 mil por mês, por pessoa, no caso do atendimento de adultos, e R$ 1,5 mil, no caso de crianças, adolescentes e mulheres em fase de amamentação.

Não serão permitidas contenção física, isolamento ou restrição à liberdade das pessoas acolhidas. As internações devem ser voluntárias.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É muito boa esta iniciativa, porém o governo deveria tratar esta questão com mais amplitude e seriedade, construindo Centros Públicos de Tratamento das Dependências em todas a cidades sede de micro-regioes, pelo Brasil afora.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

RESGATE DA DIGNIDADE

 Duas Novidades para o Resgate da Dignidade das Pessoas Usuárias de Drogas e Alcool  

Domingo, 11 de Novembro de 2012 21:26


FELIPE NERI VANI - CAP DA PMSP

Na data de 31 de outubro de 2012, à convite da Prefeita Ana Karin Andrade do Município de Cruzeiro, o Capitão Felipe Neri Vani, Oficial de Comunicação Social do 23° BPM/I, esteve reunido com o Chefe de Gabinete, Magno José de Abreu, com a Secretária de Desenvolvimento e Assistência Social, Ana Cristina Sudário Marques, com o Secretário do Meio Ambiente, Ronaldo Madureira, com o Chefe da Guarda Civil Municipal, Leandro Santiago dos Santos e com a Presidente do Conselho Municipal sobre Drogas, Íris Rodrigues dos Santos.

O objetivo deste encontro era discutir metas para os próximos quatro anos da administração municipal atinente à Segurança Pública, relacionada à prevenção primária, que é vetor de redução da vulnerabilidade do ser humano ao ato delitivo, assim como a Assistência Social.

Para isso, foram discutidos os seguintes trabalhos publicados pelo Capitão Felipe quando Comandante da 4ª Companhia do 23° BPM/I sediada em Cruzeiro:
1. A Polícia Militar de Cruzeiro como vetor de mobilização e mudança social visando a melhoria da sadia qualidade de vida, publicado em 2009;
2. A iniciativa do Comando da 4ª Companhia do 23° BPM/I quanto ao uso das informações contidas em Boletins de Ocorrência da Polícia Militar (BOPM) para encaminhamento de medidas de caráter social no município de Cruzeiro - Um estudo de caso, publicado em 2011 junto ao Executivo Municipal, também denominado de "Despacho Social do BOPM".

Também discutidas as Propostas da Polícia Militar para um Plano Municipal de Segurança Pública elaborado em 2008 pelo Comando de Policiamento do Interior 1.

Ambos os trabalhos do Oficial foram escritos no 5° Prêmio Polícia Cidadã, do Instituto Sou da Paz neste ano, cujo foco são boas práticas policiais que visem a diminuição dos índices criminais, respeitando a lei e aproximando a polícia do cidadão. O Despacho Social do BOPM fora também inscrito no Prêmio Mário Covas neste ano de 2012.

Entre os assuntos tratados, destaca-se:

+ avaliaçao de demandas não criminais constantes nos BOPM, mas os aspectos sociais que motivaram o acionamento da equipe policial militar (chamado pelo rádio, abordagem a suspeito, acionamento pessoal, etc.) e sendo este aspecto a motivação originária do conflito humano que se não tratado, poderá redundar no ato criminoso (aí sim ação de polícia);
+ Espaço Urbano e Criminologia relacionado às lições da Escola de Chicago e a análise das cidades brasileiras;
+ O policiamento orientado aos problemas;
+ Fortalecimento dos Conselhos Municipais de Segurança junto às Associações de Bairros. Para ter noção são necessários 08 (oito) pessoas para se constituir um Conselho;
+ Cursos de Mediadores de Conflitos e Colaboradores de Bairro;
+ Videomonitoramento;
+ Ocupação inteligente dos espaços públicos;
+ Grupo de Gestão de Segurança Pública Municipal;
+ Ações conjuntas;
+ Leis do Fecha Bar e Lei Seca;
+ Fortalecimento dos Orgãos de Assistência Social e dos Conselhos Municipais;
+ Criar Código de Posturas do Município;
+ Convênios com a Policia Militar como Trânsito, Atividade Delegada, etc;
+ Fortalecimento da Defesa Civil e da Guarda Civil Municipal;
+ Criação do Escritório da Qualidade no Executivo Municipal;

Com a implantação destas melhorias, pretende-se fechar o circuito do Resgate da Dignidade Humana, lema da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que em todos os rodapés de seus documentos tem descrito "Nós, Policiais Militares, sob a proteção de Deus, estamos compromissados com a Defesa da Vida, da Integridade Física e da Dignidade da Pessoa Humana".

O interesse do Comando do 23° BPM/I é que citado encontro também ocorra em todos os 17 (dezessete) municípios de sua abrangência.

Também foram feitos convites aos presentes para conhecerem a Central de Operações da Polícia Militar (COPOM) em São José dos Campos e a Central de Monitoramento em Aparecida, para que se tomem melhores informações acerca do Policiamento Inteligente da Polícia Militar.

Já em 07 de novembro de 2012, ocorreu na sede do CPI/1 palestra com o Juíz de Direito, Flávio Fenóglio e o Promotor Público Fábio Franco Lima, ambos de São José dos Campos sobre o Projeto Comarca Terapêutica (Saúde na Justiça e Justiça na Saúde, nem descriminalização e nem punição, aproveitando parte da experiência e boas práticas de Portugal, das “Drugs Courts” dos EUA e de outros países, bem como de diversas iniciativas bem sucedidas no Brasil com a área da saúde e com a Justiça Terapêutica), implantado em 03 de outubro de 2012, acerca de nova sistemática aplicada aos usuários de entorpecente envolvidas nas ocorrências apresentadas pela Polícia Militar, consistindo em:

1. Tem por escopo o trabalho horizontal, integrado e em rede do sistema de justiça (Ministério Público, Judiciário, Defensoria Pública e OAB), órgãos de segurança (Polícia Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal), Poder Público (Prefeitura, Estado e respectivas secretarias), rede de serviços (saúde, assistência social, educação, cultura, lazer, desenvolvimento social e outros), universidades, CPMA (Central de Penas e Medidas Alternativas) e recursos comunitários (COMAD, ACOD - Associação de Combate às Drogas, entidades de autoajuda, comunidades terapêuticas e associações e lideranças comunitárias);

2. Nos NADQs (Núcleos de Atenção à Dependência Química da Secretaria Municipal da Saúde), é realizada a avaliação psicossocial, orientação, dissuasão e tratamento, de acordo a necessidade e o prognóstico (usuário inicial, abusador ou dependente);

3. Paralelamente, mensalmente é realizada a Audiência de Justiça Terapêutica no salão do Júri da Comarca, na qual dezenas de partes envolvidas com drogas comparecem. São empregadas técnicas motivacionais com a colaboração de representantes de entidades de saúde, de entidades de autoajuda, de ex-dependentes que superaram o vício e universidade (palestras motivacionais, círculos restaurativos);

4. É realizada a audiência individual com o réu e seu familiar e, por meio da reflexão, propõe-se o benefício processual da transação penal ou da suspensão condicional do processo. Com base na avaliação do NADQ, se for o caso, é proposto seu tratamento junto ao este órgão, CAPS-Ad e/ou entidade de autoajuda (facultativo);

5. Mesmo aos dependentes que aceitarem a prestação de serviços à comunidade (e não seu tratamento), é desenvolvido um trabalho conjunto com a CPMA (Central de Penas e Medidas Alternativas) e com as entidades de prestação de serviços para contínua reflexão do usuário durante o cumprimento do benefício. Seus parentes próximos são inseridos no programa de atendimento aos familiares;

6. O projeto prevê a implantação de estandes das Secretarias Municipais no local de desenvolvimento da JUSTIÇA TERAPÊUTICA (saúde, assistência social, educação, inserção e outros). Assim, possibilita-se que os autores, adolescentes e familiares já saiam com as datas dos encaminhamentos e agendamentos de seu programa;

7. Sob o prisma cível o escopo é o mesmo. Com o fortalecimento do projeto e da atuação em rede, advogados, defensores, promotores de justiça e juízes terão plenas condições de encaminhamento de uma parte usuária ou dependente de droga ao NADQ, no bojo de um processo cível ou extraprocessualmente, sempre em um trabalho de reflexão. Há possibilidade de aplicação do projeto nos processos de família, Vara da Infância ou em qualquer procedimento cível com indicativos de que determinada parte ou familiar é usuária ou dependente de drogas, inclusive condicionando determinada medida processual (visitação do filho, por exemplo);

8. Por exemplo, é crescente o número de casos de violência contra idosos, hipótese que o promotor de justiça pode pleitear a medida protetiva pertinente, sem prescindir do encaminhamento do familiar usuário ou dependente. O sistema de justiça não pode se imiscuir do cumprimento de seu papel democrático de prevenção e de tratamento em rede, na medida em que mesmo com a descriminalização usuários e dependentes de drogas continuariam a figurar em milhares de processos cíveis e criminais em todo o país;

Teve sua primeira fase implantada em 03 de outubro de 2012, inicialmente perante o JECRIM (Juizado Especial Criminal), e possui três pilares principais:

a) criação de um grupo e de uma rede articulada intersetorial de atuação de prevenção, tratamento e reinserção;

b) discussão, diagnóstico e criação de novos equipamentos de saúde, sociais e comunitários;

c) novo enfoque do processo cível e criminal e do sistema de justiça na busca da prevenção e do tratamento de pessoas usuárias ou dependentes de drogas.


Os benefícios colhidos com apolítica sobre drogas de determinados países não se deram com a descriminalização, mas com ampla e coesa política de saúde pública, bem como uma integrada e eficaz rede pública, privada e comunitária de prevênção, tratamento e reinserção.








domingo, 11 de novembro de 2012

PRENDENDO PESSOAS ERRADAS


Pedro Abramovay - "Estamos prendendo as pessoas erradas"

O ex-secretário Nacional de Justiça diz que o número de presos por tráfico duplicou porque usuários vão para a cadeia e fala da legalização da maconha aprovada em dois Estados americanos por 


Natália Martino



DOIS PESOS
“No Brasil, a pessoa surpreendida com droga é considerada
traficante, se for pobre, e usuária, se for rica”, diz ele

O ex-secretário Nacional de Justiça Pedro Abramovay é um dos principais nomes da sociedade civil na defesa da descriminalização do uso de drogas. Ele esteve à frente da elaboração de um anteprojeto de lei com esse teor que foi entregue em agosto à Câmara dos Deputados com a assinatura de mais de 120 mil pessoas. Professor da disciplina violência e crimes urbanos na Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), também coordena o site Banco de Injustiças, no qual registra histórias de usuários enquadrados como traficantes por causa da atual Lei de Drogas, que ele acredita ser falha na definição dos crimes de tráfico e uso de entorpecentes. Abramovay foi um dos coordenadores da Campanha do Desarmamento e trabalhou na regulamentação do Sistema Penitenciário Federal quando era assessor especial do então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, no governo Lula.


"Há dois ou três anos quem falava de legalização
da maconha era tachado de maconheiro. Fernando
Henrique e Bill Clinton ajudaram a mudar isso”


“A regulamentação parece ter funcionado melhor
do que a repressão. A única droga cujo consumo
diminuiu com políticas públicas foi o tabaco, que é lícito"


Istoé - O que a legalização da maconha, que acaba de ser aprovada em referendo em dois Estados americanos, representa para a política mundial sobre drogas?

Pedro Abramovay - É um marco importantíssimo, principalmente se o governo federal não interferir nessas decisões estaduais. Os Estados Unidos sempre se comportaram como polícia nas convenções internacionais sobre o assunto e, de repente, dois Estados dentro dessa nação que se coloca como guardiã da “guerra contra as drogas” legalizam a maconha. No mínimo, eles perdem a legitimidade para questionar propostas de mudanças que tendem a tirar o problema da alçada exclusiva do direito penal. Abrirá espaço para discussões. Se a estratégia da legalização será ou não positiva, teremos de avaliar com o tempo.

Istoé - Legalizá-la em alguns Estados não pode gerar um turismo de drogas no país?

Pedro Abramovay - Depende da maneira como isso será feito. É importante lembrar que legalizar implica colocar regras, regular a venda, definir idades, impostos, locais de venda. Isso em um campo no qual, na prática, não existem regras há muito tempo. São grandes as chances de um adolescente ter mais dificuldades para comprar maconha em um Estado onde a droga é legalizada – e, portanto, os esforços de controle sobre ela são organizados – do que em outro onde o comércio é todo ilegal.

Istoé - O que pensa da medida tomada pelo Uruguai, que legalizou o uso da maconha, mas seu consumo será controlado pelo Estado?

Pedro Abramovay - Isso nunca foi tentado no mundo. O Uruguai assumiu uma posição de ousadia para tentar enfrentar o problema. Para nós brasileiros é fundamental acompanhar o que está acontecendo lá sem colorações ideológicas. Se funcionar, a gente tem que se despir dos preconceitos e discutir seriamente se essa é ou não uma alternativa viável para o Brasil.

Istoé - Qual a importância de ex-presidentes como Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Bill Clinton (EUA) e César Gavíria (Colômbia) defenderem a legalização da maconha?

Pedro Abramovay - É enorme, principalmente porque influencia a mídia. Há dois ou três anos era tabu debater o tema, quem tentava dizer algo era logo tachado de maconheiro. Quando esses ex-presidentes resolveram falar do assunto, chegaram mostrando estudos, pesquisas. Os argumentos já existiam, mas não eram ouvidos. Eles poderiam ter feito isso quando estavam no poder, mas antes tarde do que nunca. Abriram espaço para que atuais presidentes defendessem na ONU mudanças nas políticas de drogas em direção à descriminalização e à legalização. O Juan Manuel Santos, da Colômbia, o Otto Pérez Molina, da Guatemala, e o José Alberto Mujica, do Uruguai, fizeram essa defesa na ONU.

Istoé - A descriminalização total não poderia aumentar o consumo?

Pedro Abramovay - Recentemente foi divulgada uma pesquisa na Inglaterra que analisa 21 países que descriminalizaram o uso de drogas. Em nenhum deles houve aumento do consumo.

Istoé - Há propostas em debate no Congresso Nacional para mudar a Lei de Drogas, que aumentou as penas para o tráfico e acabou com a prisão de usuários. Isso é positivo?

Pedro Abramovay - É preciso uma definição clara sobre quem é usuário e quem é traficante. A lei atual diz que o juiz vai avaliar a partir das circunstâncias sociais para dizer se a droga era para consumo pessoal ou para venda. O que acontece é que, sem critério, uma grande massa nessa fronteira acaba sendo presa como traficante, e colocar essas pessoas na prisão significa entregá-las de bandeja para o crime organizado, que será sua única opção quando saírem da cadeia. Para se ter a dimensão disso, desde que a lei foi aprovada, em 2006, o número de presos por tráfico dobrou. Saímos de 62 mil para 125 mil presos em 2011.


Istoé - Esse número não é uma vitória no combate ao tráfico?

Pedro Abramovay - Resolver o problema das drogas significa diminuir o consumo e a violência relacionada ao tráfico. Nada disso está acontecendo, o que indica que estamos prendendo as pessoas erradas. Mais de 60% dos presos por tráfico carregavam pequenas quantidades, eram réus primários e nunca tinham se envolvido em outros crimes. Não é atrás dessas pessoas que a polícia tem que ir, mas do crime organizado. Para isso, é fundamental que se discutam critérios mais claros para separar quem é usuário de quem é traficante.

Istoé - Que tipos de critérios?

Pedro Abramovay - Vários países adotam a quantidade, não como único critério, mas como parâmetro fundamental para não gerar a situação, que acontece muito no Brasil, na qual a pessoa surpreendida com droga é considerada traficante, se for pobre, e usuária, se for rica. Portugal, República Tcheca, México, Inglaterra, alguns estados australianos, todos esses lugares optaram por esse caminho e têm alcançado resultados melhores que o Brasil, onde a decisão é do policial.

Istoé - Fixar quantidades não facilitaria, para os traficantes, a distribuição de drogas, pois usariam vários “aviõezinhos” que nunca seriam presos?

Pedro Abramovay - A polícia não tem mesmo que ir atrás dos “aviõezinhos”, isso não faz nem cócegas no negócio das drogas. A energia tem que ser revertida para o enfrentamento ao crime organizado e à violência.

Istoé - Se no Brasil está nas mãos dos policiais a decisão, como eles têm feito a distinção entre traficantes e usuários?

Pedro Abramovay - O primeiro critério mais evidente é o de classe. Quando a pessoa mora na favela, o endereço dela é, muitas vezes, sua condenação. Existem decisões judiciais que falam que a pessoa foi flagrada com droga e mora em um lugar dominado pelo tráfico, portanto é traficante. Outras tentam estabelecer critérios mais concretos. Por exemplo, vão dizer que se a pessoa carrega drogas divididas em papelotes, é traficante. Mas, se a droga é vendida em papelotes, ela também é comprada assim.

Istoé - A lei brasileira permite penas alternativas. O Judiciário não reverte os equívocos policiais com elas?

Pedro Abramovay - Muito raramente. O poder Judiciário de primeira instância é muito mais duro nas decisões ligadas ao tráfico do que em outros temas, desrespeitando muitas vezes até decisões do Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, a lei de 2006 inicialmente negava a liberdade provisória em acusações de tráfico e o STF considerou a norma inconstitucional, pois ia contra o princípio da presunção de inocência. Apesar disso, a pessoa acusada de tráfico quase sempre espera o julgamento na prisão e isso já destrói sua vida – ela perde o emprego e fica tachada como traficante. Sem contar que as pesquisas mostram que, quase sempre, os únicos depoimentos levados em conta para a condenação por tráfico são os dos PMs que prenderam o acusado.

Istoé - Mais do que falha na lei, isso não evidencia problemas no Judiciário?

Pedro Abramovay - Quando temos um critério tão subjetivo fica muito difícil para todo o sistema. Tem o policial contando uma história e a família dizendo outra coisa. Em quem acreditar? Todo esse processo é produto da falta de critérios da lei. O Judiciário quer dar respostas à sociedade e prende pessoas que têm problemas com drogas mas nunca cometeram crimes. Colocar essas pessoas na cadeia em vez de tratá-las é uma resposta errada e ineficiente. O problema de drogas deveria ser tratado não como uma questão criminal, mas de saúde. O usuário precisa ser abordado por assistentes sociais, não pela polícia.

Istoé - O nosso sistema de saúde está preparado para essa demanda?

Pedro Abramovay - O Estado já tem a obrigação de tratar o problema de dependência de drogas, a demanda existe, não podemos pensar nisso como um custo novo. A estrutura que temos hoje não está preparada, mas mudar as leis pode provocar o Estado a deixar de esconder o problema e passar a enfrentá-lo.

Istoé - É possível erradicar o trafico?

Pedro Abramovay - É impossível, mas temos de reduzir o consumo de drogas e a violência do tráfico, e isso já sabemos como. Temos que admitir que a criminalização não funcionou. A única droga que teve seu consumo diminuído com políticas públicas foi o tabaco, que é lícito. A regulamentação parece ter funcionado melhor do que a repressão.


Istoé - Como avalia o plano antidrogas do governo federal?

Pedro Abramovay - O Plano de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas tem um cardápio de soluções do qual Estados e municípios escolhem a política a ser adotada. O problema é que dentro desse cardápio tem coisas positivas e outras que podem ter efeitos muito negativos. E não há nada que induza a escolha das opções mais eficientes. Por exemplo, tem uma quantidade importante de dinheiro para consultórios de rua, que funcionam muito bem. Mas tem muito dinheiro para internação, o que pode ser muito perigoso. Em alguns casos, ela é necessária, mas essa não pode ser a principal resposta de tratamento. A internação, para os mais otimistas, tem uma taxa de sucesso de 10%. Não podemos focar todos os nossos esforços em um tratamento que tem uma taxa de sucesso tão baixa.

Istoé - Por que essas taxas são baixas?

Pedro Abramovay - Não basta desintoxicar a pessoa para, como em um passe de mágica, resolver a questão. É algo muito mais complexo e está ligado à relação do usuário com o meio em que ele vive. Se ele está desempregado, não tem apoio da família e seus amigos têm no uso de droga sua principal atividade, as chances de ele se tornar um usuário problemático são enormes. Se ele é internado, desintoxicado e devolvido para o mesmo meio que gerou a dependência, ele vai voltar a usar drogas. A única maneira de acabar com a dependência é trabalhar no meio em que ela está.

Istoé - E como isso pode ser feito?

Pedro Abramovay - Nos consultórios de rua, por exemplo, onde a pessoa pode ir, receber terapia, desintoxicação e ser ajudada, não artificialmente fora do mundo em que ela vive, mas dentro desse universo para que ela possa se libertar das razões que a levaram à dependência. A assistente social pensa maneiras de ajudar o usuário a se reintegrar na sociedade de forma produtiva. Não funciona de uma hora para outra. É um problema no qual não há tiro de canhão. O tratamento é demorado, difícil, mas tem muito mais chances de sucesso do que a internação. Já existem experiências positivas nesse sentido no Brasil, como em São Bernardo do Campo, que tem investido muito no tratamento ambulatorial e no trabalho de assistentes sociais.


quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O MÉDICO DERROTADO PELO CRACK


ZERO HORA 01 de novembro de 2012 | N° 17240

DO CONSULTÓRIO À CADEIA

Indiciado pela polícia por cárcere e agressões à namorada, homem arruinou clínica da família por causa do vício em drogas

JOSÉ LUÍS COSTA

O inquérito policial encaminhado ontem à Justiça com o indiciamento do médico Cesar Duilio Gomes Bernardi, 53 anos, por porte ilegal de arma, cárcere privado e agressão a uma namorada, expõe mais um drama familiar impulsionado pelo crack. A prisão do médico – desde o dia 25 ele está recolhido preventivamente no Presídio Central – é o ápice de uma trajetória tortuosa que teve início na adolescência, quando Cesar conheceu a maconha pelas mãos de amigos do bairro Glória, em Porto Alegre.

Eram tempos de estudante nos embalos dos anos 1970, e Cezinha, como era conhecido, trocava beijos nos corredores do Colégio Cruzeiro do Sul com uma colega, uma uruguaia dois anos mais jovem. Desaprovado pelos pais da garota, o namoro não foi longe, mas ele seguiu cada vez mais próximo das drogas. Experimentaria coisa pior: cocaína.

Mais velho dos três filhos de um médico e professor universitário, Cesar cursou medicina na PUCRS, onde se formou em 1988. Era um aluno inteligente, mas não conseguia superar o vício. Por causa da droga, se envolveu em um roubo e acabou preso (leia texto abaixo).

Tempos depois, o clínico-geral foi trabalhar no consultório do pai, na Rua Florêncio Ygartua, no coração do elegante bairro Moinhos de Vento, na Capital. Tinha tudo para dar certo. As quatro salas da clínica viviam apinhadas de pacientes da manhã à noite. O pai caminhava para a aposentadoria e, aos poucos, foi deixando a clínica sob o controle do primogênito. Mas Cesar teria dificuldades de cumprir horários e compromissos. Marcava consultas e não aparecia. A clientela foi minguando, e o médico acabou depenando o consultório para comprar droga.

– Ele vendeu carro em nome da clínica e equipamentos. Fez dívidas que não tinha como pagar – conta um parente.

A família se desfez do consultório em meados de 2005. Teria vendido por valores considerados abaixo dos de mercado. Tinha débitos acumulados, o condomínio estava atrasado e o interior das salas, destruído. O médico passou a atender a domicílio pacientes que o procuravam, esporadicamente, a partir de anúncio na internet. Não vivia mais com a mulher e os dois filhos e foi morar em uma peça com banheiro nos fundos da casa dos pais.

Família dava dinheiro para evitar dívida com traficantes

De personalidade forte, convencia os familiares a lhe dar dinheiro para subir o morro do bairro Glória atrás de drogas. Ali foi apresentado ao crack.

– A gente dava (dinheiro) para evitar de ele ficar devendo. Uma vez, um traficante ameaçou a família de morte – afirmou um parente à polícia.

Cesar teria atraído outras mulheres para seu quarto. Ficariam lá trancados por dias, e ninguém da família podia se meter. Quando era perguntado sobre as visitas, respondia que elas estavam em tratamento de sono. Parentes suspeitam de que elas eram agredidas e fugiam, como aconteceu com a namorada dele, em 19 de outubro. Drogado, o médico se tornava agressivo e não aceitava ser contrariado.

– Ele sempre foi muito independente e nunca conseguimos interná-lo. Sentimos muito o que aconteceu por ele, pela mulher – lamentou um familiar.

Clínico até já assaltou para comprar cocaína

Preso em 1987, quatro dias depois de completar 29 anos, o médico foi recolhido ao Presídio Central de Porto Alegre sob acusação de ter participado de um assalto. O roubo ocorreu em 1983 e teria um objetivo: conseguir dinheiro para comprar cocaína. Julgado pelo crime pela 11ª Vara Criminal da Capital, o médico foi condenado a cinco anos e oito meses de prisão em regime semiaberto. Cumpriu parte da pena no Patronato Lima Drummond, em Porto Alegre, e outra no Presídio de Cruz Alta, para onde foi transferido para prestar serviços, com autorização judicial, no Hospital Militar da cidade.

Espancada, enfermeira foi forçada a se drogar

Em janeiro, o médico Cesar Duilio Gomes Bernardi, 53 anos, reencontrou, quatro décadas depois, a antiga namorada de colégio, uma enfermeira uruguaia de 51 anos (o nome não foi revelado pela polícia). Com a vida estabilizada, separada, mãe de dois filhos, ela também estava morando sozinha. E cheia de energia para reviver o romance juvenil com a disposição de ajudar Cesar a domar o vício e a retomar a carreira médica.

Em maio, o relacionamento engatou de vez, e a enfermeira passou a pernoitar no quarto do médico. E começaram as brigas. No final de setembro, Cesar teria dado uma tapa no rosto da mulher, a deixando com um olho roxo. A enfermeira percebeu que o namoro não ia dar certo, se afastou, mas aceitou voltar, deixando-se levar pelos galanteios do médico.

– Quando não estava drogado, era muito gentil. Ligava, elevava a autoestima dela e a fazia se sentir bem – relata a delegada Nadine Farias Anflor, da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher.

A enfermeira acreditava que o destempero de Cesar não iria além daquele tapa. No começo de outubro, de férias do trabalho em um hospital da Capital, ela pegou uma muda de roupa para passar um dia na casa do médico, mas acabou ficando mais tempo. Na primeira semana tudo estava bem. Ela ia ao banco, à padaria e votou em 7 de outubro.

Mas a partir do dia seguinte, as brigas recomeçaram, e o médico teria proibido a mulher de sair do quarto, intimidando-a, com um revólver que guardava no armário – a arma foi apreendida pela polícia. Cesar teria gastado R$ 2 mil, sacados da conta da namorada, comprando comida, refrigerantes, cocaína e crack.

Segundo relato da vítima à polícia, ela não passava fome, mas apanhou sucessivamente por 10 dias. Conforme a enfermeira, o médico, enfurecido, desferia tapas nos ouvidos dela (golpe conhecido como telefone), socos no rosto e na nuca e furava a palmas da mãos com a ponta de um cortador de unhas. Em uma das brigas, ela teve os cabelos cortados com tesoura. Um chicote e um relho, usados nas agressões, foram apreendidos.

– Um dia ela apanhou de relho até rasgar a pele e desmaiou. Os golpes eram sempre abaixo do joelho para não poder se levantar. Depois, dava doce de leite para ela não ficar anêmica – conta a delegada.

A enfermeira já não tomava mais banho, não trocava de roupa e não tinha forças para se erguer da cama. Três dias antes de fugir, aproveitando que o médico dormia, diz que foi obrigada a experimentar crack para não apanhar ainda mais.